A pediatra - Andrea del Fuego
Já foi dito que Cecília se caracteriza como a pediatra que não gosta de criança. Mas não só de criança. O desgosto que Cecília ressoa é daqueles que nos vem com qualquer relação. Talvez um certo incômodo pelo debruçamento que um ou outro exige de nós, como símbolo de amor e afeto. Cecília, porém, é afetuosamente seca. Nada polida, ela se desfaz das relações tão logo ousem entrar muito em sua vida. Terminado o casamento sem sal, e iniciada uma aventura sexual com um tipo tão fragilizado quanto seu ex, ainda que muito melhor no prazer, Cecília se descobre apaixonada pela criança, o filho da mulher de seu amante, de quem ela fez o parto, a ponto de se sentir mãe. Sua existência, afetuosamente desprovida de propósito, parece de alguma forma entregue ao desejo de ter Bruninho para si, como epílogo de uma vida seca e árida. Nem mesmo a empregada Deise, com quem Cecília divide a vida, chega a lhe constranger os afetos por toda a situação delicada do filho para nascer, filho do marido da irmã de Deise. Há ali uma certa cumplicidade.
Mas se a trama toda nos enreda pela bela prosa de Andrea, tão ritmada em suas frases secas e áridas como as de um bem lembrado Graciliano, conferindo forma ao conteúdo de uma personagem só capaz de verbalizar o que ela é para si mesma, à boca miúda, o desfecho é dos mais decepcionantes, porque previsível, sem aquele sabor da palavra irônica de uma figura que fala o que não temos coragem. Apesar disso, vale a experiência estética, para ouvir a voz desse desgosto que é tão nosso.
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