Bento Teixeira, Prosopopeia



Quando se pensa nos inícios da Literatura Brasileira, costuma-se referi-lo, como Sílvio Romero e José Veríssimo, ao poema de Bento Teixeira, Prosopopeia, de 1601, um século após as idas e vindas do descobrimento. Sobre a biografia de Bento, quase nada se sabe ao certo, e sua obra, publicada em Lisboa por Antonio Alvarez, divide opiniões sobre seus méritos poéticos.

Afrânio Coutinho, ainda sobre a origem da Literatura Brasileira, refere-se ao que apresentam a obra de Bento Teixeira como marco inicial fariam parte de uma corrente crítica chamada de Fonte Nativa, cuja ênfase estaria sobre o nacionalismo de nossas representações passadas. Essa corrente crítica seria oposta à Tese Portuguesa, que põe o marco inicial no máximo em Gregório de Matos. A questão só teria se resolvido, no entender de Coutinho, a partir das análises de Sílvio Romero, a favor da primeira em detrimento da segunda. 

É o próprio Silvio Romero quem viu no poema de Teixeira a manifestação primeira do nacionalismo de nossa alma expresso em literatura, uma ideia que nunca mais a pátria haveria de abandonar.

Sobre Bento Teixeira e sua obra, ouçamos o que dela nos diz Ferdinand Wolf. (O Brasil Literário, p. 24-25):

"Bento Teixeira Pinto, nascido em meados do século XVI em Pernambuco, passou por ser o mais antigo poeta brasileiro em língua portuguesa, embora não se conheça mais do que o título de uma de suas publicações, A Prosopopeia, escrita em oitava rima e dedicada a seu compatriota e amigo, o governador de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho."


PROSOPOPEIA (1601)

Estrutura
  • Invocação (estrofes 1 a 6)
  • Narração (7 a 16)
  • Descrição do recife de Pernambuco (17 a 21)
  • Parte mítica: canto de Proteu (22 a 93)
  • Epílogo (94)


O poema de Bento Teixeira compõe-se de 94 oitavas e versos decassílabos, o estilo da métrica de Camões em Os Lusíadas. Aliás, como é costume dizer entre a crítica, o poema de Bento não passa de um arremedo da brilhante poesia do mestre lusitano, a quem ele diligentemente imita ou por ser de pouca idade (o prólogo de seu poema parece indicá-lo) ou por ser poeta medíocre. Sem divisões em cantos, Prosopopeia narra os feitos gloriosos que haveriam de ser realizados por seu herói, o filho de Duarte Coelho.

Que eu canto um Albuquerque soberano, 
Da Fé, da cara Pátria firme muro, 
Cujo valor e ser, que o Céu lhe inspira, 
Pode estancar a Lácia e Grega lira. (I)


Jorge de Albuquerque Coelho, o herói de Bento Teixeira, parece ter sido mesmo homem excepcional, dotado de erudição rara e de um conhecimento vasto das letras humanas, provavelmente adquiridos em Portugal, onde já se encontrava aos 14 anos. Aos 20, diz-nos Veríssimo, voltou a Pernambuco, e só voltou para Portugal com 26, depois de uma brilhante campanha contra os nativos da capitania. Foi, portanto, uma bela mistura de homem culto e valente. 

Em seu poema, os nativos são ditos filhos de Vulcano, o Hefestos grego, de epíteto "Lémnio cruel", No que Bento nos mostra, aqui e em outros momentos do poema, ter pouca estima pelos indígenas.

Porque Lémnio cruel, de quem descende 
A Bárbara progênie e insolência, 
Vendo que o Albuquerque tanto ofende 
Gente que dele tem a descendência, 
Com mil meos ilícitos pretende 
Fazer irreparável resistência 
Ao claro Jorge, baroil e forte, 
Em quem não dominava a vária sorte. (XLV)


Em seu Prosopopeia, segundo a avaliação de Veríssimo, Bento não faz senão iniciar aquilo que em todos os tempos fez-se comum entre poetas e literatos: serem "inclinadíssimos à bajulação aos poderosos" (História da Literatura Brasileira, p. 51). É notório em seus versos a tentativa de louvar o amigo excepcional com um estilo poético digno dos heróis mais valorosos. Excetuando-se o valor de seus dois modelos de inspiração, porém, Bento Teixeira não conseguiu alcançar nem de longe a glória de Camões e a virtude de Jorge Coelho, que ele pretende imortalizar.

Assim diz; e com alta Majestade 
O Rei do Salso Reino, ali falando, 
Diz: - Em satisfação da tempestade 
Que mandei a Albuquerque venerando, 
Pretendo que a mortal Posteridade 
 Com Himnos o ande sempre sublimando, 
Quando vir que por ti o foi primeiro, 
Com fatídico espírito verdadeiro. (XCIII)


As palavras de Veríssimo são-nos memoráveis em sua avaliação:

"Nos seus setecentos e cinquenta e dois versos apenas haverá algum notável, pela ideia ou pela forma. São na maioria prosaicos, como banais são os seus conceitos. A língua não tem a distinção ou o relevo, e o estilo traz já todos os defeitos que maculam o pior estilo poético do tempo." (p. 49)


A meu ver, alguns versos notáveis, pela ideia ou pela forma, podem ser aqui deixados para encerrarmos nossa aventura nos mares de Prosopopeia – título que ilustra a personificação de ideias e figuras míticas, como Bento Teixeira pretendia imortalizar seu herói, imortalizando a si mesmo.

Ó Alma tão ditosa como pura, 
Parte a gozar dos dotes dessa glória, 
Donde terás a vida tão segura, 
Quanto tem de mudança a transitória! 
Goza lá dessa luz que sempre dura; 
No mundo gozarás da larga história, 
Ficando no lustroso e rico Templo 
Da Ninfa Gigantea por exemplo. (XC)



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