O véu erguido - George Eliot

 




Depois que se leu Ivan Ilitch de Tolstoi, as novelas se tornam sempre comparativamente mais exigidas, porque poucos conseguem atingir a perfeição do escritor russo.

O alienista de Machado passa bem no teste. A bem da verdade, deveria ser O alienista de Machado nosso modelo de novela, afinal veio à luz antes da novela de Tolstoi.

Mas é possível dizer, sobre Ivan Ilitch ter se tornado um paradigma desde sua publicação em 1886, que na verdade ela significa o cume da arte da novela, eventualmente debruçada sobre ombros de gigantes que antes de Tolstoi haviam refinado o gênero.

É o caso de O véu erguido. Publicada em 1859 na Blackwood's Magazine, uma revista inglesa que durou mais de um século (1817-1980), a novela de George Eliot, pseudônimo masculino da escritora vitoriana Mary Ann Evans, flerta com histórias de terror e suspense, mas não empolga por isso. A sensibilidade na descrição psicológica é bem mais interessante, talvez seja mesmo a única coisa que salva. O enredo enfadonho e arrastado (ela mesma nos diz) até o início da segunda parte, sofre interferências que lembram o deus ex-machina do teatro grego, artifício para introduzir nova personagem, então uma divindade, que resolvia o conflito insolúvel.

Na trama de Eliot, o fantasmagórico serviu de peça curinga, e feito de modo súbito, soa forçado o desfecho do caso de amor 'desamado' entre Bertha e Latimer, o narrador. Seria preciso algum tempo mais para encontrarmos a grandeza novelística de Tolstoi, e a de Machado. Se o melhor de Eliot esteve na refinada descrição da vida íntima das personagens, nada melhor do que este trecho, em que Bertha sintetiza para Latimer, com uma honesta ironia, a resolução do que chamei seu desamar do amor.

"Ora! Sua sabedoria crê ser necessário que eu ame o homem a quem desposarei? Seria a mais desagradável das coisas. Com ele eu duelaria; dele teria ciúmes; nosso ménage seria conduzido do modo mais torto. Um pouco de desprezo silencioso muito contribui para a elegância da vida".

A ironia se resolve aqui, para nós, no fato de que não se pode desprezar a escrita de George Eliot, se se quer ter alguma elegância nessa vida.

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