Estorvo - Chico Buarque


 


Voltar ao Estorvo, primeiro romance do Chico, tendo lido todas as suas últimas obras é uma experiência que acentua um traço marcante da poética desse nosso grande literato. É algo difícil de definir por expressões como prosa poética ou romance poema, porque não se trata de uma coisa nem outra. Está no âmbito da construção, daquilo que eu havia identificado na resenha que fiz sobre Leite Derramado, e que parece melhor se deixar entender por quem tenha já ouvido, até não mais poder, a canção Construção do autor. O mecanismo pelo qual Chico faz ver seu mundo a partir de Estorvo obedece aquela ordem de estilo de Construção -- uma ordem poeticamente mergulhada no caos.

O título do romance já diz tudo, o que é raro. Estorvo é a personagem sem nome, é o destino que sua presença ausente vai costurando em seus familiares e amigos, é o sentimento que o autor nos leva a sentir pela personagem a ponto da revolta, do enojamento, mas sobretudo da identificação. O que há em nós de estorvo, o que não vemos em nós de estorvo, o que só vemos nos outros de estorvo: as idas e vindas da personagem, nas idas e vindas da linguagem, costura para o leitor uma experiência estética de tirar o fôlego, porque nos convida, de forma elegante e divertida, a mergulhar no que estamos sujeitos a fazer de nós, em ações ingênuas que no final acumulam um efeito trágico inescapável.

Estorvo, de Chico Buarque, é para a literatura brasileira um romance inescapável.

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