As cabeças trocadas - Thomas Mann

 




A escrita da lenda indiana As cabeças trocadas é um ponto fora da curva na obra de Thomas Mann, ponto esse, porém, bastante louvado, sobretudo pela maestria narrativa com a qual ele nos convida a conhecer um pouco mais da sabedoria oriental.

A lenda sangrenta conta a história de Sita e de seu destino traçado por um banho de rio em que, deliciosamente nua, é vista sem saber pelos amigos Shridaman e Nanda. Ambos são tão diferentes entre si que chegam a ser complementares: o que falta a um, há no outro de sobra. Em razão da doente paixão que o amigo passa a nutrir pela jovem Sita, Nanda arquiteta o encontro das famílias e promove entre eles o casamento

Para Sita, no entanto, a presença de Nanda, e da sua clara oposição a tudo o que significa seu marido Shridaman, leva silenciosamente a jovem a nutrir desejo pelo amigo. Durante uma viagem dos 3, o destino acaba por surpreendê-la: ao presenciar, no interior de uma caverna o santuário da tenebrosa Mãe Kali, em que seu marido e o amigo jaziam degolados em honra à deusa, Sita mergulha num desespero que convoca a deusa à graça de restaurar as cabeças de ambos. Ela, por descuido, troca as cabeças, revivendo o marido com o corpo do amigo e o corpo do marido com a cabeça do amigo.

A trama, construída sobre esse descuido milagroso, é trabalhada por Mann em vista de algo que nós, ocidentais, conhecemos como o conflito entre a razão e as paixões. O final prefigurado pela tradição hindu ilustra até que ponto é possível ser fiel a si mesmo sem com isso não chegar a duelar com os outros. Fato é que Sita, aparentemente satisfeita ao ter a cabeça do marido no corpo do amigo, vê-se desejosa de reencontrar o amigo com o corpo do marido. Desejo é do que falta.

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