Rei Lear - Shakespeare




“Rei Lear e Cordélia” (1793), Benjamin West


"Sofreram mais os velhos; nós, no entanto, não viveremos nem veremos tanto".

King Lear, de Shakespeare, é tragédia menos sobre a loucura, como geralmente se pensa, que sobre o conflito entre as gerações. A loucura, em sua desrazão, faz-se denúncia contra as ações daqueles de quem não podemos entender os motivos. Pais e filhos, aqui também, resgatam o arquétipo do desafio de se compreender o outro. Condena-se à morte quem se perde na desrazão.

O rei, envelhecido, é tomado louco ao querer, depois de tanto esforço, desfrutar das benesses do poder, sem o ônus da autoridade. Seu poder, dividido entre duas das filhas, rapidamente perde seu valor. A terceira das filhas, Cordélia, desterrada por Lear ao se recusar dizer não a verdade, mas o que o rei queria ouvir, se mostrará, ao final, a única capaz de reconhecer o amor do pai em suas ações já senis.

Paralelo a este conflito, Edmund e Edgar, filhos bastardo e legítimo do Duque de Gloucester, traçam outra disputa que se esforça, por iniciativa de Edmund, em depor a legitimidade do irmão e do pai a ponto de fazer honrar a lealdade aparente e oportunista mais do que a nobreza sempre conhecida.

Entre o velho e o novo, de fato, o conflito permanece, quando não se vê, de um lado, nada mais valoroso do que o que sempre foi, enquanto, de outro lado, tudo que é válido é o que agora se constitui em novidade. Louco é retardar o avanço das gerações, como também desprezar o que já se conquistou no passado.

Entre um caminho e outro nessa disputa pelo poder dizer o que é o melhor, o exemplo do poeta inglês permanece sendo o de Cordélia: aquela que, "tal como uma rainha, reina sobre a paixão que, em sua rebeldia, ansiava dela se tornar rei". Foi dessa autoridade que tanto o rei quanto suas duas filhas estiverem carentes. E se Edgar soube se fazer de louco para salvar a legitimidade de seu pai frente às acusações do bastardo Edmund, foi por certo para nos mostrar que o verdadeiro caminho da loucura é desprezar, orgulhoso, o que há de bom seja na juventude, seja na velhice.


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