O irmão Alemão - Chico Buarque

 




A sensação de terminar um Chico é, a bem da verdade, interminável. Não dá gosto de virar a última página, e se é preciso fazê-lo, convenhamos, ela não será a última. Não pode sê-lo. Pretendo que jamais o seja. Chico já figura para mim como um dos maiores prosadores da literatura brasileira. Não exagero. A bem da verdade, é preciso confessá-lo ainda e outra vez. Talvez se ouça. Então se leia.


O enredo de O irmão alemão bem poderia tornar-se banal: a personagem à procura de seu irmão estrangeiro desconhecido ganha, ao contrário, requintes de mito, da melhor experiência estética possível, aquela que nos comove e inquieta, por lermos ali o drama que é também nosso, de um mundo brasileiro a figurar entre insígnias europeias, latinas, que nos faz escapar da insignificância pela força da palavra que nos cabe: a palavra crua, arredia, mas sinuosa, debochada, franca e indecorosa. O verbo em Chico faz a carne tremer, e se não temos nós também um irmão estrangeiro a procurar, estamos sempre à procura do estrangeiro que nos possa descobrir e salvar. A metáfora não poderia ser mais precisa. A carne ressente a dor, e o prazer, ao ser lida com uma arte das mais soberbas. Com esta.

Em O irmão alemão, me parece, Chico alcançou uma raríssima proeza: a de descrever uma história que é, de certo modo, uma visita à própria história, enquanto descortina subterrâneos de nossa história recente, elevando-a à realização estética de algo mais que mero passatempo, mas monumento, porque traduzida em encanto e reflexão. E não dá pra se encantar outra vez com o Brasil se não provarmos o sabor da prosa que Chico nos convida a refletir.

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