Sobre o prazer da escrita

 



Nossa tendência, quando mergulhados no prazer de algo que nos pareça impossível haver quem não goste, é mostrar a outros esse gosto e esse prazer de uma maneira tão intensa que o convite para que outros o conheçam parecerá muitas vezes impertinente. Não sem razão, Kant havia destacado, como traço fundamental do juízo de gosto, essa pretensão de universalidade, que tende a nos tornar apologistas em discussões tão inúteis quanto opções de comida ou de programas de TV.

Sinto essa tendência toda vez que encontro um grande poeta. A poesia espera do leitor certa convivência, para que os versos, que nunca são literais, digam tudo o que, revelando, escondem. Em grandes poetas, essa descoberta é entusiasmante, abrindo-nos para novas dimensões da língua e do mundo e, sobretudo, das emoções que por vezes somos incapazes de descrever. Sentir com o poeta -- eis a fórmula do prazer com a poesia. Não há leitura apressada de versos, e poesias curtas enganam se são lidas desejando-se passar a página.

Talvez por isso haja poucos leitores de poesia. Um leitor atual, já tão anestesiado pela aceleração das mídias e redes sociais, vê-se incapaz de se deter por mais tempo frente a uma folha com alguns versos. Ele às vezes não consegue sentir com o poeta, às vezes porque o poeta não quis fazer sentir, às vezes por certo estranhamento com jogos de linguagem excessivamente cerebrais. Por que conviver um tempo com esses versos, com esse poeta que não conheço e nada me diz? Talvez haja pouca gente interessada em poesia, porque os poemas esperam convivência. E hoje, sobretudo, não se está aberto a conviver com quem não se gosta.

Tende-se, com isso, a estreitar sensações, consigo mesmo e com o mundo, evitando o que humanamente nos abre a elas: palavras. As palavras, que hoje nos afastam, são as únicas que também podem nos aproximar. No início, pode parecer um remédio amargo aventurar-se a ler poesia. Mas creia, no âmbito das palavras não há melhor remédio para voltarmos a saber usá-las e sentirmos, com elas, a convivência que nos aproxima e nos faz ser menos rudes. A poesia é, no fundo, prazer em se descobrir olhando-se nos olhos do outro. Não é espelho, é convivência.

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