Mauriac - O deserto do amor

 


"Em amor, quando sofro, encolho-me, espero; tenho a certeza de que aquele homem por quem quero morrer talvez amanhã não signifique nada mais para mim; o objeto de tanto sofrimento não valha mais um só olhar meu; é terrível amar e é vergonhoso deixar de amar".

A leitura desses dias foi assim, como se pode ter uma vaga ideia pelo trecho que destaquei: uma caudalosa virtuosidade de verdades bem ditas, que afrontam a cegueira que nos ímpomos por medos e decepções. O livro de François Mauriac é dessas obras arrebatadoras pela singeleza da verdade nua e crua, tecida com todo o cuidado em frases que ao mesmo tempo nos conduzem a sentir o que dizem sentindo o sabor de ouvi-las junto às batidas do coração.

O triângulo amoroso que dá o enredo desse drama é por demais banal para surpreender: o.filho se descobre apaixonado pela mesma mulher que o pai, numa configuração edípica que pretende nos contar não sobre a essência de nossos instintos libidinosos, mas sobre o que afinal podemos fazer com eles.

O conflito de gerações que naturalmente rivaliza filho e pai, que os distancia como se de estranhos se tratasse, deveria, numa lógica comum do desejo, ser intensificado pelo amor que pretende separá-los ainda mais. A mulher que os unira, observada em sua independência ora como santa ora como devassa, não deixaria de sofrerem silêncio por se imaginar uma querendo ser outra. A confusão entre desejos, que enlaça os destinos dos três, poderia ser mesmo a tradução do que significa o deserto do amor: amar é tentar dizer o que ninguém pode ouvir verdadeiramente.

Mauriac pretende mostra, para além do conflito, a maneira pela qual pai e filho, em suas diferenças reunidas na mesma disposição de amar, e de sofrer pelo amor daquela mulher inacessível a ambos, embora tão próxima e carnal, descobrem-se cúmplices na difícil tarefa de existir, e de se fazer grato em sofrer. A cena final do livro emociona, pela riqueza de sentido que o escritor francês nos convida a sentir a partir de toda delicadeza que aproxima aquelas duas gerações, aqueles dois que não são senão um em dois momentos distintos do viver. E que, pelo olhar, encontram as palavras certas para dizer tudo o que vale a pena.

Edição: José Olympio

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