Orwell - A revolução dos bichos




O que mais surpreende nessa alegoria do grande Orwell encontra-se na última sentença da obra, quando se diz já não se perceber mais a diferença entre humanos e animais. É mesmo ao final que a fábula se deixa ver em uma lição política fundamentalmente ética: querer uma sociedade justa a preço de agir injustamente é acreditar que se pode ser mais humano se animalizando. É uma impropriedade.

Na revolução impetrada pelos bichos, os humanos são enxotados da fazenda sob o brado de inimigos. Quatro patas amigos, duas patas inimigos: trata-se agora de gerir a fazenda sem as exigências dos patrões. O problema é que todo o sistema de gestão é pensado humanamente, de modo que os porcos, líderes da revolução por saberem ler e discursar como humanos, tendem a se tornar cada vez mais como eram os antigos patrões. Ainda mais violentos, dizem os outros animais, porque se tratam de animais como eles.

A pretensa igualdade imaginada e desejada cede aos caprichos dos privilégios e das benesses dos que passam a ser mais que outros, como se a lei natural da diferença, inviolável, constrangesse as intenções igualitárias. Os sete mandamentos, aceitos por todos como a lei da igualdade e da justiça, vai sofrendo pequenas alterações pelas mãos de Garganta, a voz persuasiva da liderança dos porcos, a fim de atender aos novos líderes. O porco mais próximo a Napoleão, Bola-de-neve, é declarado traidor, a razão de tudo o que acontece de ruim aos bichos a partir de então. Nesse novo habitat animalesco, a liderança dos porcos acaba, por uma ironia cruel, transformando a vida animal numa escravidão humanizada.

Numa apresentação cômica e mordaz sobre regimes totalitários, Orwell legou-nos uma irresistível descrição do quanto há de terrível nessa história humana de tentar se livrar de sua condição de sofrimento por intermédio de uma sociedade capaz de criar um paraíso na Terra. Essa história, não tão velha, atormenta ainda as discussões políticas hoje, de um modo que sempre o fantasma da revolução se impõe para os que acreditam poder se livrar de sua humanidade com ares de animal. Porcos ou não, quem lê a obra de Orwell aos poucos se torna menos afeito a selvageria.

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