Sófocles e a tragédia no teatro grego
SÓFOCLES
Esta
interpretação do teatro grego não pode ser, evidentemente, de aplicação geral.
Não se aplica, pelo menos em parte, ao teatro de Eurípides; só nesse sentido
esse grande poeta representa a decadência do teatro grego. Mas já quanto a
Sófocles há dúvidas das mais sérias: o sentido do seu teatro não é,
evidentemente, social, mas religioso: duma religião antropocêntrica. Talvez
seja mesmo impossível dar uma interpretação geral do teatro grego, porque não o
conhecemos suficientemente. Só conhecemos o teatro ateniense, e deste apenas
poucas peças, de três dramaturgos.
Sófocles[iii] representa a
tentativa de mediar entre os extremos; e quando a mediação se revelou
impossível, o grande poeta trágico cantou uma elegia suave e dolorosa,
irresistível, que pareceu à posteridade síntese perfeita. Por isso, Sófocles
foi sempre o poeta preferido dos partidários do equilíbrio puramente estético:
dos classicistas.
É
grandíssimo artista. Artista da palavra, dono de extraordinário lirismo
musical, sobretudo nos coros. Mas foi também artista da cena, sábio calculador
dos efeitos, mestre incomparável da arquitetura dramática, da exposição
analítica do enredo. Entre o pathos coletivista de Ésquilo e o pathos
individualista de Eurípides, a tragédia semipolítica, semi-sentimental de Édipo
revela força superior de emoção; conflito coletivo e conflito individual
estão ligados de maneira tão íntima que o efeito se torna independente de todas
as circunstâncias exteriores, efeito permanente. O espectador moderno
reconhece-se nos personagens de Sófocles, primeiro grande mestre da dramaturgia
de caracteres. O fim, porém, é sempre a emoção lírica: a arquitetura dramática
serve para arrancar aos personagens o lamento elegíaco. A elegia é a arma
estética do homem contra o Destino; inteiramente só, sucumbe Ájax, o
apaixonado, incapaz de cantar a elegia, e quando o homem martirizado pelo
Destino emudece, então há ainda o coro para restabelecer o equilíbrio lírico do
mundo; são os coros do Édipo em Colonos que completam a tragédia do Édipo.
“Lirismo”
é o verdadeiro nome da ordem divina e humana no mundo de Sófocles; sintomas dum
equilíbrio precário, porque puramente estético. Na Antigone, não existe
mediação dramática possível entre a lei cruel e inelutável que impõe a Creon,
tirano contra a vontade, a perseguição do inimigo para além da morte, e, por
outro lado, o sentimento íntimo, quase cristão, da Antígone: “Não nasci para
odiar com os outros, mas para amar com os outros.” Não existe mediação
dramática entre Ésquilo e Eurípides. Mas existe, entre eles, a eurritmia
poética, a medida lírica.
Sófocles
estava inconsciente da natureza precária da sua solução. Não se afasta da
realidade, não mente. A dor trágica, no Philoctetes, revela-se como
instrumento da vontade divina, como instituição deste mundo, e ao homem só
resta a elegia: “Nunca ter nascido seria o melhor; mas se vives, melhor é
voltares, quanto antes, para o lugar de onde vieste.” Contudo, o pessimismo de
Sófocles – um crítico moderno fala de “visão pavorosa da vida” – não é
absoluto; porque pelo sofrimento, e só pelo sofrimento, conseguimos a plena
consciência da nossa situação no cosmo. Sem o conflito trágico com a lei do
Estado, Antígone seria só uma criatura sentimental; o conflito lhe revela a
força do seu imperativo de consciência que lhe impôs a resistência – e assim
Antígone se tornou o símbolo permanente de todas as Resistências. De igual modo
se torna Édipo o símbolo permanente dos erros trágicos da humanidade: através
das complicações dum enredo quase diabólico, os erros se dissipam e Édipo se
transforma de homem infeliz em homem trágico, aceitando o que a vida lhe impôs.
No fim das tragédias sofoclianas, os personagens são mais dignos do que eram
antes. Eis a solução euripidiana que Sófocles achou para o conflito esquiliano:
ordem divina e ordem terrestre, cujo conflito torna tão dolorosa a vida,
reconciliam-se na dignidade humana. Em Sófocles, tudo é harmonia, sem que fosse
esquecido uma só vez o fundo escuro da nossa existência. Sófocles é humanista. Mas
não é um humanismo satisfeito e suficiente, porque o humanismo grego nunca se
esquece da precariedade do mundo, pela possível ira dos deuses, nem da tristeza
deste mundo que nos impõe o silêncio piedoso no fim da tragédia.
O
humanismo de Sófocles prestou-se para ser erigido em resultado definitivo,
dogma estético, modelo. O humanismo antigo, porém, assim como a religião grega,
não conheceu dogmas. O dogma teórico estava excluído pelo caráter pragmatista
da civilização antiga, na qual era considerado peso morto, ou antes
inexistente, o que não tinha efeitos vitais. O “humanismo” da literatura grega
não significa guarda de tradições culturais e sim a capacidade de intervir na
vida; é comparável ao “lugar na vida” pelo qual os folcloristas modernos
classificam o conto de fadas, a lenda, a parábola e outros gêneros semelhantes
da literatura oral. O “lugar na vida” da epopeia homérica encontra-se na
interpretação da vida; o “lugar na vida” da poesia grega encontra-se na
disciplina musical das emoções; o “lugar na vida” do teatro grego encontra-se
na reinterpretação do mito; o “lugar na vida” da historiografia grega
encontra-se, assim como o da filosofia, em interesses políticos, e está
determinado pela retórica.
[i]
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1951.
[ii]
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of Tragedy, with Special Reference to the Greek Tragedians.
Cambridge,
1910.
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1911.)
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A. W. Pickard-Cambridge: The Theatre of
Dionysus. Oxford, 1946.
[iii]
Sophokles, 496-406 a. C.
Das
mais ou menos 120 peças que a tradição antiga menciona, existem 7: Ajax
furens,
Antigone (representada em 442), Oedipux
Rex (429), As
Traquinianas, Electra
(413?),
Philoctetes (409), Oedipus em Colonos (representada só em 401). Perderam-se:
Ifigênia
em Aulis, Laocoon, Nausicaa Niobe, Danae, Bellerophon, Daidalos, Phaedra,
etc.
Edição
por A. C. Pearson, Oxford, 1923.
U.
von Wilamowitz-Moellendorff: Die
dramatische Technik des Sophokles. Berlin,
1917.
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