Literatura e Cinema

 



Confesso que me angustia ouvir alguém dizer que não precisará ler mais um livro qualquer que tenha sido transposto para a linguagem cinematográfica. Mesmo que se entenda, bem vagamente, que 'o livro é diferente do filme', e mesmo que alguns até se disponham a ir lá dar uma olhada nas páginas para comparar com alguma cena, percebo uma constante de nosso espirito atual, quando nos colocamos muito mais desejosos de gastar algum tempo na frente de uma tela do que diante de uma folha de papel.


É óbvio que toda mudança tecnológica causa, com o tempo, mudanças culturais. Não nos enganemos, ao nos esquecermos de que os próprios livros estão entre as mais fantásticas criações tecnológicas da humanidade, e as consequências da cultura livresca encheria uma boa quantidade de livros para poder dizê-la. No caso do cinema, e da tecnologia de streeming que hoje põe os filmes à nossa disposição a qualquer hora, os efeitos ainda terão de ser avaliados pelas gerações futuras -- talvez não mais enchendo livros de papel, talvez.


A questão está num ponto que me parece fundamental: a perda literária, sua cada vez maior ausência na vida pessoal e comunitária, significa a perda das capacidades mais elevadas da linguagem, daquilo que nos constitui mais essencialmente como humanos. A crise de ansiedade causada pela rapidez tecnológica desacostumou muita gente à tranquilidade pacata e remota de uma leitura meditativa. Afinal, é muito mais rápido ficar sabendo sobre a história de um livro qualquer em apenas duas horas de filme. É muito mais dinâmico se deixar impregnar pelas cenas memoráveis de um Kubrick do que gastar horas para acompanhar os detalhes das narrações de um Proust.


Algumas consequências dessa substituição talvez não exijam gerações para podermos avaliá-las. Já estão bem atestados os efeitos nocivos de uma cultura de excesso de imagem como causa do embotamento da mente, da perda de foco, como motivador de diversas crises psicológicas. O excesso do visual deprime pelo tédio e anestesia a emotividade, potencializando a frieza dos mecanismos de decisão e de relação com os outros. O visual nos distancia, já não sabemos mais esperar nem ouvir, já não medimos o quanto a nossa vontade depende de condições externas para se realizar. É claro que o cinema, como arte, não está no centro dessa anestesia do sentir humano, ao contrário. Ocorre que hoje o cinema, imerso em uma cultura de massificação visual, tornou-se mero entretenimento.


Cultivar uma cultura de livro é poder, de algum modo, vivenciar um convívio demorado com a linguagem e com as emoções humanas, e são poucos os que convivem bem com esse silêncio interior que a leitura exige. A vida é duração, e se nos perdermos entre telas instantâneas e passageiras, não teremos nada muito duradouro para haver de lembrar no futuro. Pior que isso, teremos visto a vida passar tão rapidamente que já não saberemos se realmente vimos algo de bom, capaz de nos convidar a demorar por muito mais do que duas horas.

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