Do livro não se livre

Estive ausente desta página, por incrível que pareça, durante esses difíceis meses de convívio com a pandemia do novo coronavírus. Digo incrível, pois seria de se esperar que, com mais tempo livre em casa, as horas de dedicação à leitura e às resenhas de livros aumentassem deveras. Mas o corpo e o espírito não correspondem às nossas expectativas. Por vezes, eles sofrem os abalos da vivência cotidiana, do fardo diário de uma crise sem precedentes, com dimensões propícias a abalar os projetos e os sentidos de vida. Muitos, que sobreviveram à Covid-19, morreram de desgosto pelas próprias mãos.

Uma coisa, porém, permanece: a angústia da morte e do tédio são vórtices de energia capazes de alavancar a alma aos mais elevados anseios existenciais, a partir de um mergulho em si mesmo devidamente munido da arte como exercício criativo de significar a própria vida e as vivências que sofremos e sentimos. A arte é um constante convite a que mergulhemos em nós para nos elevar ao que mais importa, além do cotidiano efêmero e alucinante, acima das intempéries dos medos e das paixões. A literatura, como arte, é o convite para que teçamos os meandros de nosso confuso mundo interno a partir da experiência de sair de si, postos para além de nós, por ser recurso valoroso e valioso, como um espelho que nos ilustra e nos comove pela imagem que insiste em representar.

Na vivência dessa angústia com a morte e o tédio, a literatura se faz um respiro e uma rebelião. Aos poucos, a vida retoma sua rotina, e isso permite ao espírito compreender melhor aquele tenso e intenso fluxo de emoções e decepções sentidas durante a pandemia. Se não me foi possível responder com o corpo e o espírito às vicissitudes desse projeto de educação literária, voltamos mais fortes e despertos. Os livros, que jamais me deixaram de ser companhia memorável esse tempo, mostraram-me que a verdadeira liberdade é aquela que se descobre pela leitura, com a leitura. Se me pedirem um conselho, dou-o sem pestanejar:

Do livro não se livre.