Sérgio Buarque de Holanda - Raízes do Brasil

 


A cordialidade, que representa para Sérgio Buarque de Holanda a contribuição humana genuinamente brasileira, tem grande impacto para compreendermos nosso modo de lidar com crises como a que o mundo enfrenta hoje. O homem cordial é o que vive tudo "com o coração", com intimidade e familiaridade, como se o mundo fosse a sua casa, como se Deus e os santos fossem colegas de quarto e pais rabugentos ou caridosos.

Isso explica, para Buarque de Holanda, porque no Brasil o espaço público se faz em privado; explica também porque usamos demais os termos no diminutivo; explica, por fim, porque a religião aqui não ressalta uma devoção além das formas exteriores, já que esta dependeria de uma abstração a qual o brasileiro não está afeito mais do que ao concreto: a sensibilidade fala mais alto que a racionalidade.

Ao contrário do que possa parecer, esse apreço pela intimidade não corresponde a um apreço pelo íntimo, pelo interior, pelo mundo de si mesmo. A vida interior do brasileiro não é coesa mas livre, desprendida, afrouxada, e isso impede que se leve a sério leis e normas que não tenham algum interesse familiar em jogo. Isso é bom e ruim, como tudo na vida.

O ruim é acabarmos incapazes de olhar para dentro de si, indefesos frente a nossa própria solidão. A vida em sociedade torna-se uma verdadeira libertação do convívio consigo mesmo, de forma a que se chega por aqui a viver se for "nos outros", antes de ser "com outros".

Para esse tipo de ser humano, conclui Sérgio, foi que Nietzsche dirigiu esta descrição: "vosso mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro". É possível que boa parte dos brasileiros sinta, nesse instante, o isolamento como prisão. Estranhos são os que assim não se sentem. 'Estranho' quer dizer: não profundamente brasileiros.

Em certa medida, é muito bom ser estranho, no sentido de se conviver bem consigo em solidão. Isso não elimina a necessidade de sociabilidade, mas aperfeiçoa a maneira de conviver da melhor forma, porque o espaço público não é nossa casa, o governo não é nossa família, a religião não é um programa de TV.

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