Homero e a Ilíada como mito educador
Homero
como educador dos gregos é de fato uma opinião comum, e se deve pressupô-la e desenvolvê-la
a fim de trazer à tona uma concepção de poeta e de poesia hoje perdida. Isso
porque era o poeta o educador de gerações, e sua poesia, sem alimentar ainda
qualquer distinção entre uma forma estética e um conteúdo ético, veio a ser a
primeira e maior criadora e modeladora do homem grego. Nas palavras de Jaeger, a
poesia só pode exercer uma tal ação se faz valer todas as forças estéticas e
éticas do homem (Paideia, p.62).
E mais à frente declara: só pode ser propriamente educativa uma poesia cujas
raízes mergulhem nas camadas mais profundas do ser humano e na qual viva um
ethos, um anseio espiritual, uma imagem do humano capaz de se tornar uma obrigação
e um dever (p.63).
Desta
forma, é Homero o representante da cultura grega primitiva (p.66). Por não
estar preso em demasia ao solo de que surge, por se pôr a buscar o que há de
mais universal no homem, a poesia homérica triunfou, e isto porque sua
descrição do mundo, das grandes tradições e exigências, é a descrição da esfera
mais elevada da vida humana. A força da educação na poesia de Homero parece
encontrar seu significado maior no uso do exemplo, e sobretudo, dos
exemplos ilustrados pelos mitos. Essa harmonia entre épica e mito torna visível
aquela intenção ética e estética da poesia de Homero, pois o mito serve
sempre como instância normativa para a qual apela o orador (p.68). Conclui
Jaeger, a épica é por natureza um mundo ideal, e o elemento de idealidade
está representado no pensamento grego primitivo pelo mito (p.68).
Não outra é a
característica que distingue o gênero épico dos demais que surgem na poesia
helênica: seu teor idealizante se vê ligado à sua origem nos antigos cantos
heróicos, as aristeiai, cujo louvor do herói tende a supressão de tudo o
que é baixo, desprezível e falho em sua nobreza (p.69). E mesmo na Ilíada, cujo tema principal parece girar
em torno à menis de Aquiles, é comum o poeta interromper a
narração da guerra para descrever a aristéia de Diomedes, de Agamemnom,
de Menelau, por exemplo. Pois a finalidade artística desta criação poética é
justamente tecer tais cenas isoladas em uma ação unitária, mostrando o valor de
todos os heróis famosos sob o pano de fundo da totalidade da ação, que na Ilíada é o valor de Aquiles para a
guerra de Troia (p.72).
Estátua de Homero |
Deste
fundo sangrento da peleja em Troia emerge um destino individual de pura
tragédia humana: a vida heróica de Aquiles. A Ilíada deve à figura
trágica de Aquiles o não ser para nós um venerável manuscrito do espírito
guerreiro primitivo, mas sim um monumento imortal para o reconhecimento da vida
e da dor humana (p.72). É deste modo que o poeta se afirma como criador e
intérprete da tradição, não mais apenas um simples divulgador das glórias do
passado.
Esse
caráter totalizante que a epopéia apresenta, sua unidade espiritual, revela
uma inspiração própria de um “pensamento filosófico” relativo à natureza humana
e às leis que governam o mundo. O poeta contempla todo o conhecimento
particular à luz do seu conhecimento geral da essência das coisas (p.77). É
pela totalidade da ação dramática e do seu pensamento sobre o homem e o mundo
que a poesia homérica torna-se muito mais que pura manifestação artística –
torna-se obra de influência ética, de formação do espírito humano. E traz em si
o germe do que seria chamado depois de filosofia grega (p. 80).
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