O que é o discurso?



Definir o discurso só é possível, naturalmente, por meio do próprio discurso. Isso por si já poderia significar uma impropriedade, mas não é o caso. Na verdade, isso é já parte significativa da definição. Quer dizer, o discurso é aquilo que usamos para definir coisas, e portanto, ele mesmo se autodefine. Ao invés de denotar um círculo vicioso, o discurso se expressa, necessariamente, por meio de definições. 

Mas o que é definir? Segundo os antigos, é dizer o que a coisa é. Isso porque definir traz o sentido de delimitar, de circunscrever, de estabelecer limites por meio dos quais algo não se confunde com tudo aquilo que está ao seu redor, e que portanto não é ele. Essa noção espacial de definição é propícia, porque a primeira e mais fundamental atividade da mente é a da imaginação. Dizia Aristóteles que pensamos por meio de imagens. No caso da definição, dizer o que a coisa é significa dizer até onde ela vai que a diferencia essencialmente das demais coisas ao seu redor. É por isso que nosso pensamento faz constantemente referência ao sentido da visão, para esclarecer suas noções – mais um termo próprio à visão, esclarecer, tornar mais claro, portanto mais visível. 

O discurso, assim, esclarece o que as coisas são. Para isso, ele estabelece um termo para indicar essa coisa determinada, delimitada. Sabemos o quanto é difícil explicar ou dizer algo sobre aquilo de que não podemos nos servir de um nome conhecido. A primeira função da linguagem, a sua mais essencial atividade, é pois a de nomear. 

O discurso, naturalmente, não se faz apenas pela nomeação. Discurso, propriamente dito, é articulação entre termos, é a criação de um modo de dizer aquilo que nomeamos. Esse modo de dizer possui, como finalidade humana, a da comunicação. Usamos o dizer para comunicar. Eis aqui a necessidade básica da expressão discursiva. Quando se cria um nome para algo, cria-se em vista da comunicação, bem como quando se articula nomes diversos com intuito de dizer algo. 

Se o discurso diz algo para comunicar, é porque existe uma capacidade no ouvinte para decodificar o que está sendo dito em termos, quer dizer, uma capacidade para traduzir palavras em coisas ou fenômenos. Com o avanço da linguagem metafórica e do sentido conotativo dos termos, temos de considerar essa tradução em ideias e noções, no fim das contas, em imagens. Em suma, a atividade discursiva pressupõe uma capacidade de imaginação que interpreta fonemas, letras, palavras e frases em imagens, seja em vista do falante, seja em vista do ouvinte. 

Sendo assim, pode-se dizer que o discurso, quando se volta para si mesmo a fim de pôr às claras aquilo que ele é, se revela um modo específico da mente humana de significar imagens por meio de signos fonéticos e gráficos, com o intuito de comunicar as imagens correspondentes. 

Contudo, essa capacidade, em sua origem, nunca é denotativa, mas simbólica – o que significa dizer que os primeiros termos e palavras de uma linguagem não apenas faziam referência a coisas e fenômenos, mas expressavam um conjunto de circunstâncias de fala que acompanhavam o uso da linguagem e a finalidade comunicativa. Isso porque a comunicação humana não se resume a troca de informações, mas também abrange os aspectos imperativo (ordem, pedido) e exclamativo (admiração e reverência) que configuram as relações humanas, no sentido de provocar o outro a uma determinada ação. O símbolo, nesse caso, joga ao mesmo tempo com a função comunicativa e de exercício de poder, e é por essa sua condição inicial que é possível entendê-lo no que há de mais essencial. 

Em outras palavras, o discurso é uma maneira de dizer o que as coisas são com vistas a comunicar algo e a provocar o ouvinte a uma ação, que pressupõe o assentimento ou a recusa do que vai dito.

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