Para aprender a filosofar


Não é de hoje que se ouve falar, contra a filosofia, que ela não chega a lugar algum, que ela se põe a realizar discussões intermináveis sem que uma conclusão seja unanimemente alcançada, como acontece na religião e na ciência. Afinal, diriam, se este “amor ao saber” levasse a algum lugar, não deveríamos já o ter alcançado?
O primeiro ponto a se atentar aqui é que a filosofia, pela natureza da atividade a que se propõe, jamais alcançará termo em vista de uma resposta unânime, como se poderia obter em religião ou em ciência (até mesmo nestes casos é bastante problemático falar em “unanimidade”). Filosofar é pôr em discussão o fundamento dos saberes para avaliá-los em vista da consciência de quem deseja saber de fato. Isso nos mostra que, desde Sócrates, é a discussão e o exame que compõem o método filosófico, e esse método só pode servir a uma dada consciência que esteja interessada em fundamentar seu saber.
Qual é o espaço do saber? Onde houver um discurso que se imponha enquanto autoridade para um determinado grupo de pessoas a fim de incentivarem-nas a agir de um determinado modo, haverá ali um saber, ou ao menos sua pretensão. Porque a natureza humana nos condiciona a agir em vista sobretudo daquilo que conhecemos, de tal maneira que, para nós, saber é poder agir. Isso explica a necessidade de pôr em questão os saberes de autoridade, sempre em vista de um poder agir melhor, já que não há garantia de que determinados discursos de autoridade sejam realmente os melhores para a vida humana. A aplicação mais eminente da filosofia sempre será a de examinar os saberes em vista da melhor forma humana de viver.
Surge então um segundo ponto de extrema importância acerca da história da filosofia. Sempre será preciso dedicar-se ao exercício de exame e de discussão, haja vista a necessidade que cada geração possui, a partir de suas próprias demandas e preocupações, de pôr em questão o saber que lhes é imposto, e que exigem uma fundamentação em face da consciência pessoal que busca agir da melhor maneira possível. Não há fim para a história da filosofia enquanto houver mentes dispostas ao exercício do conhecimento.
Mais ainda, na história da filosofia nem sempre será possível contemplar o número de filósofos realmente existentes. Pois não se pode chamar ‘filósofos’ apenas os que construíram sistemas de pensamento a fim de ilustrar seu método próprio de filosofar: há, sem dúvidas, filósofos que nada escreveram mas que se dedicaram, com sua própria vida, ao exame de suas crenças e seus conhecimentos, servindo inclusive de modelo para outros que, ao lhe seguirem o exemplo, se puseram a filosofar também.
É por isso que, em filosofia, se explica o fato de podermos estudar, ao mesmo tempo e um ao lado do outro, filósofos de épocas e de culturas diferentes, porque o importante nesse estudo é aprender a filosofar: ou seja, conhecer o pensamento dos filósofos não como um discurso de autoridade em meio a tantos outros, mas como o resultado da aplicação de uma vida humana em fundamentar seu saber da melhor maneira possível, servindo-nos como exemplo. Exemplo que é, quase sempre, apreciado subjetivamente: pode se sentir mais afinidade com um filósofo que com outro, ainda que eles digam coisas semelhantes ou ofereçam o mesmo método.
É por isso um erro olhar para a filosofia procurando respostas prontas, a servirem de discurso de autoridade. Quando dela se faz isso, faz-se deturpar sua natureza fundamental. Quem queira estudar filosofia deve ter em mente: (1) a necessidade de aprender com os filósofos a maneira pela qual se realiza o método filosófico, ou seja, o exame e a fundamentação do saber; (2) aplicar o método filosófico sobre os saberes de sua época, a fim de poder encontrar o seu próprio caminho para o exame e a fundamentação dos saberes que lhe são caros.
É a isto que deve levar o estudo da filosofia e dos filósofos. Eles são muitos e sempre discordam entre si como nós, em nosso dia a dia, somos muitos e sempre discordamos entre nós. Não é para chegar à unanimidade que se filosofa, mas para encontrar o melhor meio de fundamentar os saberes que servirão conscientemente para melhorar nossas ações e nossa vida. É importante conhecer os filósofos, porque só por eles aprendemos a maneira de filosofar. Mas não se filosofa repetindo o que os filósofos disseram. É preciso examinar-se a si mesmo a partir do método filosófico, ou então a filosofia terá sido apenas mais um saber entre outros, sem nada mais que o diferencia além do caráter exótico que por vezes possui junto à opinião comum.

Comentários

Mais lidas