Mal de brasileiro



Chega a doer na alma essa pobreza de espírito do brasileiro. A começar pelo cabeça, que governa o país com a mais ínfima popularidade, inversamente proporcional ao despeito com que se arroga liderar tão-somente a corja dos seus correligionários, para mantê-lo no poder apesar de todos os inquéritos. Difícil imaginar um estadista ou líder político honrado que chegasse a aceitar permanecer no poder em tais circunstâncias. Por muito menos, tirou-se a presidente anterior.

Mas o poder pelo poder é entre nós algo louvável em si, como o é o dinheiro pelo dinheiro, a arte pela arte, o prazer pelo prazer. Não há sentido ou razão de ser nas coisas que se faz aqui, nenhuma elevação nos fins almejados para além do único anseio: meu pirão primeiro -- e nada além disso. A política, como artifício humano para tornar a vida comum menos pavorosa, enche de pavor os que, sensíveis a todo esse descaminho, vão acompanhando os candidatos possíveis, os impossíveis que se acreditam possíveis, os terríveis que despontam como salvadores. Nenhum há que nos lembre uma força valorosa como a de um Péricles, de um César, e só de mencionar esses nomes já nos sentimos estranhos, estrangeiros na pátria humana. Sequer acredita-se existir um acesso ao território das altas montanhas onde habitam as grandes almas de todos os tempos, porque 'almas' e 'grandes' são palavras que aqui não dizem muita coisa para além do fanatismo religioso e da alienação militante. A preguiça é a esposa fiel do brasileiro, que não admite ser traída um só momento por qualquer olhar torto para algo de mais valor que possa levar alguém para um pouco de esforço e dedicação a uma tarefa de excelência, a uma obra ou a um destino invejáveis. Não há esforço aqui porque não há memória.

Não sabemos quem somos e o que podemos oferecer à humanidade. Os poucos que decidiram se elevar deste pântano de distrações chegaram a produzir algo de valor, mas nem o valor que lhes devemos chega a ser dado. No dia em que se deveria comemorar o nascimento de um dos maiores poetas de nossa história, com eventos os mais diversos, o que vemos é o brasileiro dividido entre doces ou travessuras. A estátua que se fez em sua homenagem na praia de Copacabana tem o que merece sempre e toda vez: roubam-lhe os óculos em sinal de afronta a um pedaço de metal. É o que merece todo aquele que se faz grande: o homem pequeno não o vê, senão como seu semelhante -- um pobre pedaço de matéria sem qualquer sentido em existir. O mal que faz nosso presidente permanecer no cargo não deveria assustar aqueles que fazem de sua vida o mesmo que ele, no pouco valor que dão para o que há de maior valor. O que distingue governo e povo é apenas a posição de quem quer estar por cima.

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