Tolstoi - A morte de Ivan Ilitch

Frederic Bazille, O hospital de campo improvisado,1865


Demorei a pincelar alguma coisa sobre o último grande livro que li. Talvez pela escassez de tempo em parar e escrever algo dessas coisas que não fazem parte de nossas ocupações diárias por obrigação mas por prazer. Talvez não: certamente foi pela enorme dificuldade em se falar sobre este pequeno grande livro A morte de Ivan Ilitch, de Tolstoi.


Não por acaso considerada uma das mais perfeitas das novelas da literatura mundial, a cena de Ilitch é suave e tenebrosa, cotidiana e espetacular, com uma prosa que beira o pueril dos contos infantis, enquanto irrompe na mais vasta profundeza da alma humana e em suas terríveis contradições. De leitura fácil e instigante, o enredo parece deveras banal ao leitor desatento às questões que levam Ilitch da nobre desenvoltura ao abismo de existir.


É mesmo um conflito sobre a existência o que Tolstoi parece querer marcar aqui, em páginas de uma gratidão sem igual com a vida ao mesmo tempo em que não abre mão de lhe mostrar a crueza e tragédia, quase que uma sua gratuidade, se não fosse a morte. Talvez seja a morte a personagem principal desta novela, pois que a morte é a sombra permanente de existir, e mesmo assim quase sempre se faz obscurecida pelo nosso dia a dia frenético em sobreviver - e com que finalidade?


Poderíamos mesmo saber que vivemos sem encararmos no cotidiano a intensidade do que para nós significa a morte? Talvez essa seja a melhor explicação para o efeito estilístico da prosa suave e comumente simples de Tolstoi: mostrar a simplicidade de um cotidiano marcado pelos conflitos em viver, ao mesmo tempo em que faz caminhar seu protagonista até a uma consciência inalienável sobre a morte e a sua necessidade para uma vida digna de ser vivida.


Porque uma vida não refletida, dizia Sócrates na voz de Platão, não merece ser vivida - e uma vida refletida é sempre uma preparação para a morte, uma filosofia em que antes de sermos filósofos somos humanos, demasiadamente humanos. A novela de Tolstoi é algo como um quadro banal sobre o fim trágico de nossa existência, pintado com tintas de uma terrível simplicidade, porque nenhuma finalidade deveria ser mais simples ao homem que a consciência do seu fim.

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