Educar é preciso



O jovem brasileiro hoje, em sua grande maioria, entende a educação como restrita ao papel profissional, o que é apenas uma das atribuições do ensino. Mas restringir toda a finalidade da educação à profissionalização faz ressaltar um caráter pragmático da ação de educar que a torna perversa para a cultura de um povo. A cultura é o legado daquelas gerações que nos antecederam, legado cujo esforço encontra-se em tornar a existência dos homens menos primitiva e mais civilizada. Cultura e civilização estão, por isso, em sintonia intrínseca. Diante disso, a educação situa-se como o instrumento pelo qual a cultura é transmitida a fim de possibilitar a construção e a manutenção de uma dada forma de civilização. Quando a civilização, porém, procura ressaltar pela educação mais o aspecto profissionalizante e imediato do trabalho e da ocupação econômica que os valores e as ideias, então caminhamos para uma decadência do processo civilizacional, porque a civilização se fundamenta em valores de longa duração e em hábitos que se situem para além das necessidades imediatas da existência. A cultura não é o cultivo da terra ou das prioridades corporais, mas um conjunto de práticas e de ideias que tocam fundo as necessidades mais fundamentais da vida humana: as necessidades do espírito. Uma educação que visa apenas a profissionalização é manca e alienante.

Isso é o que sempre se soube em todas as grandes formas de civilização. A perda dessa referência hoje é sinal de uma fraqueza cultural perigosa para os rumos da sociedade brasileira. Mas como diz respeito a uma necessidade tão profunda quanto a espiritual, toda decadência de uma forma de civilização corresponde ao nascimento de um outra, que será fruto da nova forma de cultura alimentada pela sociedade, sobretudo em sua forma de educar. E que tipo de civilização queremos? A defesa de uma determinada forma de educação é a apologia direta de uma forma de cultura que almeja engendrar ou manter a civilização ou o seu fim, sua consequência última e indireta. Indireta porque não é certo dizer que determinada cultura resultará em civilização ou barbárie. Mas se a incerteza domina boa parte das formas de cultura possíveis, parece claro a quem se deixou impressionar pelas dinâmicas históricas que uma cultura que não privilegia nem a escrita nem a leitura é em tudo uma sociedade fadada à barbárie. Porque a escrita e a leitura são tarefas fundamentais para o domínio da nossa humanidade, e não por acaso desumaniza-se quem perde o domínio da linguagem. Se existe alguma forma de educar que não deveria em hipótese alguma ser abandonada é aquela que almeja desenvolver as habilidades da linguagem e as humanidades ligadas a ela. Chega a ser criminoso, um crime contra a humanidade, privar os jovens de uma educação literária.

Mas então, de que maneira proporcionar uma educação literária de qualidade, capaz de desenvolver a humanidade de jovens cada vez mais vislumbrados pelos interesses materiais de uma educação acima de tudo profissional? De que modo vencer o ímpeto pragmático das necessidades imediatas em vista de atingir o florescimento do espírito? Parece estarmos aqui em um círculo vicioso: guiar os jovens para o apreço pela literatura por meio dessa mesma literatura que eles agora veem como inútil ou pouco prática. Para escapar dessa sina, é preciso que haja um exemplo a ser seguido. Toda educação, em grande medida, é fruto do exemplo. Educar é mostrar ao que aprende a importância do que está a aprender, e essa importância tem de ser assimilada pelo próprio exemplo do educador. O mestre que não sabe ler nem escrever é incapaz de ensinar o mesmo a seus alunos. A ideia de que o mestre tem de aprender com o aluno não cabe para as formas de educar que dependem da transmissão de cultura. Chega-se mesmo a criticar hoje a educação pela transmissão como uma forma bancária de ensinar, e defende-se, ao contrário, aquela tentativa de educar criticamente. Mas para criticar é necessário antes ter compreendido muito bem o que se critica – e não por acaso, criticar sem compreender é das atitudes mais comuns. Não há outro caminho: é preciso transmitir a cultura aos que não a possuem, e essa maneira de transmitir fundamenta-se sobretudo no exemplo do mestre a ser seguido. Sem exemplo, não há processo de aprendizagem.


E no que diz respeito à educação para a escrita e a leitura, os exemplos melhores estarão no melhor da literatura de todos os tempos. O mestre, então, é aquele que orientará o jovem pela imensa floresta das obras que a literatura nos legou, e que são desprezadas às vezes porque o iniciante ainda não sabe por onde nem como começar. A tarefa não é fácil. O que diferencia a excelência no aprendizado, todavia, é a dedicação, o empenho, e essa é uma parte do ensino que depende em grande parte da boa afiliação mantida entre mestre e aluno. É preciso que ambos queiram, e queiram a mesma coisa. Ensinar a ler e a escrever bem é das mais gratificantes tarefas docentes. Encontrar aqueles com a disposição de mergulharem a fundo nessa tarefa é a realização plena do mestre. Para os jovens, é importante entender a necessidade, profissional e humana, de dominar bem a linguagem. Minha própria formação só pôde se realizar com plenitude e prazer quando eu entendi essa necessidade. Talvez o problema central da educação literária hoje esteja na progressiva perda de referência a essa compreensão. O gatilho de uma renovação literária entre nós, parece, encontra-se na possibilidade de que se compreenda sua máxima importância. Soa como um novo círculo vicioso, mas se repararmos bem é quase sempre fora da literatura que encontramos a motivação que nos conduz a ela. Aqui, mais uma vez, é preciso haver bons mestres.

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